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  • Foto do escritorJoao Paulo Pereira

O espaço do ocupacionismo


Já vai algum tempo que, com muita preocupação, se tem vindo a assistir ao fenómeno do ocupacionismo, se não como indicador de maior influência negativa na saúde mental, pelo menos como idêntico ao absentismo naquilo que são os indicadores que transporta. Com a introdução de forma massiva do teletrabalho, do trabalho remoto, do trabalho hibrido e de todas as ditas novas formas de trabalho, e nas dinâmicas que têm vindo a surgir, o desafio parece estar centrado na forma como cada um se organiza nas compatibilidades.


Efetivamente mudaram-se os contextos, alteraram-se as premissas culturais das dinâmicas do trabalho, onde o ir e vir, as rotinas matinais e de fim de dia, as invasões de espaço e consequentes reorganizações, e fundamentalmente a organização mental de todas estas novas variáveis, apareceram como mais um catalisador para que cada um possa realizar-se naquilo que faz.


Olhando para a variável “interface família-trabalho”, a mudança, que inicialmente poderia ser vista como potencializadora do equilíbrio entre estas duas entidades, mostrou-se como um veiculo que introduziu, ou tão somente expos ainda mais, as fragilidades que já se vinham sentindo na organização e gestão de tempos e fundamentalmente dos tempos de qualidade.


Vários foram os fatores que ajudaram a que tal ocorresse, entre os quais, e pelas necessidades de resposta rápida àquilo que se começou por chamar, sabemos hoje que erradamente, “distanciamento social”, teve como resposta um, talvez exagerado, envolvimento das pessoas com os meios que proporcionam o trabalho nas ditas novas condições. Olhando para trás, conseguimos verificar que na esmagadora maioria dos casos, as pessoas não passavam tanto tempo a tratar das suas questões laborais em contato direto com os seus colegas, e que agora se mantêm, pelos meios de videoconferência, com um contacto intenso. Afinal não mudou só o âmbito do trabalho, também se alterou a forma de realização.


Sabemos de há muito que o desempenho de tarefas laborais tem uma intensa base cultural, e que proporcionalmente são mais as pessoas que as tarefas que se não adaptam a esta suposta novidade. Porque o contexto não era o de ter de colocar em prática, de forma globalizante, as exigências destes novos contextos, houve uma centralização no desenvolvimento de meios, esquecendo as competências individuais para a sua execução. É a partir daqui que tudo se complexifica, e que o impacto na saúde mental com consequências no papel social de todos, se destabiliza.


A gestão de tempo, daqueles tempos em que dividimos o nosso dia, não sofreu assim tanta alteração, supostamente devem continuar os mesmo, até porque não foi isso que mudou, foi mesmo a forma como o organizamos nos contextos diferentes onde nos encontramos. É por esta dificuldade que o ocupacionismo tem cada vez mais preponderância e as suas razões e consequências devem centrar as preocupações de quem tem como responsabilidade pensar o trabalho e a adequação deste a quem o realiza.


Indicadores como o absentismo, entre outros, eram já tidos como relevantes, agora surge também o ocupacionismo, e a necessidade de atendermos de forma concreta e cada vez mais cirúrgica às dinâmicas que cada um vai estabelecendo nas diferentes áreas da sua vida, para que o auto-engano, potencializador de cada vez maiores sensações de incongruência com as recompensas, maioritariamente não materiais, não há quantitativos monetários que previnam a médio e longo prazo as disfunções emocionais, não se instale e se transforme no veiculo de excelência para as dinâmicas patológicas que muitas vezes se associam ao trabalho.


Não se sabe ainda, e com rigor estatístico necessário, se as pessoas foram mais ou menos eficazes na realização das suas diferentes tarefas. Sabemos no entanto que a eficiência foi colocada em causa, e bem assim um investimento de energia pessoal muito acima do exigido/necessário para a realização de conteúdos profissionais, com implicação negativa nas dinâmicas familiares e sociais.

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